ATELIÊ ABERTO
Ocupação da sala de projetos do Canteiro - Campo de Produção em Arte Contemporânea
Julho de 2023
Fotos de Ivan Padovani
Acervo rotativo
Há quem se engane que isso, esse grande experimento de Dani Shirozono, se passe tão somente de um convite ao ateliê. Somos encorajados a entrar em uma espécie de útero poético, de máquina do mundo — de Shirozono. Entra-se por um caminho em que os olhos se somam aos outros sentidos e buscam acessos que enveredam a uma figura cíclica, a artista.
“Etnóloga de si mesma”, a frase, que a artista se apropria da autora Annie Ernaux e modifica, é a condutora do exercício. Enquanto na da escritora notamos uma pulsão do eu individual, Shirozono exprime um eu plural, um eu coletivo, em que diversas vozes e memórias, por vezes alheias, constroem essas passagens e paisagens. Como um ser hipotético, o qual podemos ou não fazer/querer ser parte, mas que, indiferentes a isso, somos uma célula desse sistema complexo. Tal qual um enxame de abelhas (por ora, também hipotético) que acumula na caixa racional todas as reminiscências do entorno, uma vista em silhueta e árida, como uma memória embaçada e nebulosa.
O vermelho e o dourado são guias nesse caminho, ora como uma linha ancestral que percorre as obras e garante essa união, ora como momentos de lucidez, de memórias que se sobrepõem na vastidão ou que são de reposição de um estado pleno (formado por boas e/ou más memórias), uma emenda de ouro. A frase “você é radical”, sempre repetida à artista por sua mãe, reluz nessas manchas opacas, tal um farol: ser mulher e ser radical. Essa opacidade que marca o grande véu, que percorre os lugares da casa, que infiltram no “si mesma”, e é neste momento que a linha vermelha e a cor dourada são conducentes para uma revisão.
Ademais, como rever? Através da compilação de relatos de pessoas com ascendência japonesa, Dani Shirozono questiona as agressões cotidianas, as que estão em qualquer lugar onde não espera. E, como um brincar, as transforma em um manual de instrução do que fazer: feitas de um material precário como o papel, a partir do origami, a artista produz essas armas possíveis. Também põe em mãos de quem atrever passear por seu experimento a chance de produzir a sua própria possível arma por meio das dobras que lá já estão. Aqui, na dobradura preexistente, volto às reminiscências que percorrem esse espaço.
Andar por esse espaço é então exercício de todos os sentidos. Sentem-se à mesa, sintam o cheiro do café, bebam, olhem o diante, escutem e se infiltrem na família da artista, façam das memórias deles as suas. Esse é o exercício da memória como um enxame hipotético. Shirozono vai remontando a família, os lugares onde passaram, os sentimentos, ao tom coloquial, mas nas entrelinhas estão as agressões e as armas possíveis. Dessa forma, concebam com a artista todas as veredas que estão nesse espaço suspenso e cíclico, disfarçado de convite ao ateliê.
Guilherme Guimarães