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34º Programa de Exposições do Centro Cultural de São Paulo | São Paulo SP
 

O que se esconde e se revela

23 de agosto à 23 de novembro de 2025

Na cultura japonesa, miegakure é uma palavra formada por dois verbos, mieru (mostrar-se) e kakureru (esconder-se), que consiste na presença de elementos invisíveis e escondidos, mas essenciais. Quando o corpo é imerso na paisagem para vivencia-la,  as relações de grandeza e proporção são modificadas conforme ele percorre e interage com esse espaço. Em O que se esconde e se releva, são apresentados trabalhos realizados através das ações de esconder e revelar por meio da construção de camadas de relevos imersos em parafina, resina e carvão.

Fotos: Estudio em Obra

Pinacoteca Diógenes Duarte Paes | Jundiaí SP
 

Suponhamos que nunca tivéssemos visto montanhas

07 à 28 de junho de 2025

Em Natural:mente (2011), Vilém Flusser inicia o capítulo intitulado Montanhas com um exercício de imaginação - como teria sido para nossos ancestrais vislumbrar uma montanha pela primeira vez? Teriam eles confundido aquela grande massa imponente com nuvens? Ainda para o autor, a emoção da primeira vista teria assolado nossos antepassados de tal modo que ainda carregamos o terror primordial dessa experiência em nosso inconsciente. Isso poderia explicar a vasta ocorrência de representações de relevos e montanhas tão amplamente reproduzidos e criados pelas mais diversas áreas criativas - do cinema à pintura, da fotografia à instalação. 

Além de assolar nossa memória coletiva, essas formas colossais da natureza nos convidam para a reflexão através de sua escala, que se impõe diante de nossa ínfima existência. Percorrer um relevo alto e acidentado é uma tarefa árdua que exige preparo e conhecimento; quando se está sobre ela, a montanha como um todo não pode ser contemplada; ao buscar a vista de seu ponto mais alto, é preciso enfrentar o percurso. Na obra Ver a Terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia do filósofo Jean-Marc Besse (2014), o autor comenta sobre o desafio do poeta Petrarca ao subir o monte Ventoux. Inicialmente, Petrarca decide escalar a montanha para desfrutar a experiência paisagística de seu cimo, no entanto, a subida é difícil e ele procura por caminhos mais favoráveis que o conduzem a divagações, tornando a viagem uma “[…] escolha que consiste em fazer de uma montanha o quadro da busca de si mesmo” (Besse, 2014, p. 2). 

A partir dessas elocubrações, a exposição Suponhamos que nunca tivéssemos visto montanhas pega de empréstimo as palavras e o exercício imaginativo de Flússer para enfatizar esse terror primordial que ainda nos acompanha quando nos colocamos diante da imensidão de uma montanha. Mas também evoca o desejo de fazer dos relevos aqui apresentados uma busca constante de si mesmo. Cada trabalho apresentado aqui nasce da combinação de fragmentos de memórias coletadas através de anos percorrendo a paisagem que conecta os estados de São Paulo e Minas Gerais, e processos experimentais-gestuais que resultam em composições de relevos que não existem, montanhas que se apresentam pela primeira vez.

 FLUSSER, Vilém. Natural:mente: vários acessos ao significado de natureza. São Paulo: Annablume, 2011. 

 BESSE, Jean-Marc. Ver a Terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia. Tradução Vladimir Bertalini. São Paulo: Perspectiva, 2014. 

Canteiro - Campo de Produção em Arte Contemporânea | São Paulo SP
 

Ateliê aberto

29 de julho de 2023

Texto de Guilherme Guimarães

Há quem se engane que isso, esse grande experimento de Dani Shirozono, se passe tão somente de um convite ao ateliê. Somos encorajados a entrar em uma espécie de útero poético, de máquina do mundo — de Shirozono. Entra-se por um caminho em que os olhos se somam aos outros sentidos e buscam acessos que enveredam a uma figura cíclica, a artista.

“Etnóloga de si mesma”, a frase, que a artista se apropria da autora Annie Ernaux e modifica, é a condutora do exercício. Enquanto na da escritora notamos uma pulsão do eu individual, Shirozono exprime um eu plural, um eu coletivo, em que diversas vozes e memórias, por vezes alheias, constroem essas passagens e paisagens. Como um ser hipotético, o qual podemos ou não fazer/querer ser parte, mas que, indiferentes a isso, somos uma célula desse sistema complexo. Tal qual um enxame de abelhas (por ora, também hipotético) que acumula na caixa racional todas as reminiscências do entorno, uma vista em silhueta e árida, como uma memória embaçada e nebulosa. 

O vermelho e o dourado são guias nesse caminho, ora como uma linha ancestral que percorre as obras e garante essa união, ora como momentos de lucidez, de memórias que se sobrepõem na vastidão ou que são de reposição de um estado pleno (formado por boas e/ou más memórias), uma emenda de ouro. A frase “você é radical”, sempre repetida à artista por sua mãe, reluz nessas manchas opacas, tal um farol: ser mulher e ser radical. Essa opacidade que marca o grande véu, que percorre os lugares da casa, que infiltram no “si mesma”, e é neste momento que a linha vermelha e a cor dourada são conducentes para uma revisão.

Ademais, como rever? Através da compilação de relatos de pessoas com ascendência japonesa, Dani Shirozono questiona as agressões cotidianas, as que estão em qualquer lugar onde não espera. E, como um brincar, as transforma em um manual de instrução do que fazer: feitas de um material precário como o papel, a partir do origami, a artista produz essas armas possíveis. Também põe em mãos de quem atrever passear por seu experimento a chance de produzir a sua própria possível arma por meio das dobras que lá já estão. Aqui, na dobradura preexistente, volto às reminiscências que percorrem esse espaço.

Andar por esse espaço é então exercício de todos os sentidos. Sentem-se à mesa, sintam o cheiro do café, bebam, olhem o diante, escutem e se infiltrem na família da artista, façam das memórias deles as suas. Esse é o exercício da memória como um enxame hipotético. Shirozono vai remontando a família, os lugares onde passaram, os sentimentos, ao tom coloquial, mas nas entrelinhas estão as agressões e as armas possíveis. Dessa forma, concebam com a artista todas as veredas que estão nesse espaço suspenso e cíclico, disfarçado de convite ao ateliê.

 

Fotos de Ivan Padovani
 

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